As diferenças são características imanentes em todas as espécies, por mais que pareçam não existir, em alguns casos. Mesmos populações de seres unicelulares possuem algum grau de diferenciação entre seus indivíduos.
E é exatamente essa diferenciação individual que permite a evolução da espécie, conforme afirma Charles Darwin. As diferenças genotípicas propiciam a possibilidade de adaptação a novos ambientes, possibilitando a sobrevivência da espécie.
Essa diferenciação é inseparável da natureza da vida e, por ela temos tanta riqueza biológica, em nosso planeta e, acredito que seja bom que isso aconteça. Não podemos imaginar a falta da diferença em populações de espécies, sejam animais, vegetais, fungos, bactérias e outros seres considerados vivos.
A natureza estipula essa diferença e ela é, de certo modo responsável pela evolução das espécies e, concomitantemente pela manutenção da vida, ao menos em nossa biosfera.
Porém, enquanto seres racionais, podemos conjecturar possibilidades não naturais e propor soluções artificiais em ambientes não naturais. E essa possibilidade é, para nossa espécie humana uma diferenciação evolutiva importantíssima e decisiva em nosso modo de vida.
Ao criar ambientes artificiais e soluções igualmente não naturais, o ser-humano deixa de ser um agente passivo na natureza e na escala evolutiva e passa a ser co-criador da sua realidade, como nos aponta a Bíblia Judaico-Cristã.
E assim, podemos pensar a nossa formação social de forma racional e não necessariamente natural, ou naturalista, ou de forma animalesca. Podemos, ao menos propor uma sociedade ideal.
No entanto, esta proposição esbarra nas vontades e perspectivas individuais. Indivíduos em posição hierárquica ou social superior, em geral não estão dispostos a abrir mão de seus privilégios em prol de um ideal ou algum projeto coletivo de grandes proporções.
Dessa forma cria-se a ideologia da desigualdade e se buscam argumentações, não para entendê-la e interpretá-la, mas para defendê-la contra outras proposições.
A desigualdade, como dissemos acima, é uma característica inerente do ser vivo e é provável que se perpetue, pois ela é uma característica decisiva para a perpetuação da própria existência da vida.
Todavia, defender o desigualitarismo acaba se tornando uma bandeira levantada pelas classes dominantes em razão de seus privilégios sociais e não uma análise racional da natureza que constitui nossa espécie.
E é aí que precisamos diferenciar igualdade como meio e igualdade como fim, até para podermos traçar os parâmetros dos méritos, para podermos conceber uma suposta meritocracia.
Não podemos considerar mérito, quando a desigualdade entre os indivíduos analisados é consideravelmente grande.
Como exemplo do que estamos apresentando, podemos apontar uma corrida. Como podemos avaliar o mérito de dois corredores, se um começa a corrida a 100 metros da chegada, enquanto o seu concorrente começa a 1.200 metros?
É preciso haver um mínimo de equidade para podermos comparar e julgar o mérito e, quando não existe um mínimo de proporcionalidade e aproximação, a meritocracia deve ser desconsiderada.
Essa é a questão que apresentamos da igualdade como fim x igualdade como meio. A igualdade não pode ser vista como uma finalidade social, mas sim como um meio, ou mesmo um ponto de partida para que o mérito possa ser qualificado.
Mas, com o nível de sofisticação que a nossa sociedade se apresenta, hoje, é improvável regressar a um ponto em que possamos igualar os indivíduos e permitir que partam do zero e, de forma racional e organizada demonstrem os méritos para conseguir o que precisam.
Ao longo da história, a humanidade se desenvolveu como se desenvolveu. E muito do que chamamos de injusto e desonesto está contido no arcabouço teórico do mérito material da elite constituída. Mas não há como pedir um "reset" da humanidade.
Precisamos pensar o futuro com base no presente e não num passado pressuposto, abstrato, do qual ninguém hoje vivo teve acesso ou provas.
Devemos partir da sociedade que temos e conhecemos. E essa noção de buscar aas respostas para o futuro com base no presente balizou profundamente os movimentos operários europeus dos séculos XIX e XX.
Estes que defendiam a organização dos operários e camponeses visando a instituição de uma nova sociedade, de um novo "Estado", do ponto de vista de organização social, seja com bases na proposta anarquista, seja com a orientação "socialista utópica", seja defendendo a teoria comunista marxista.
E para eles, é imprescindível que demos duas notícias, uma boa e uma má.
A boa é que a luta deles está perto do fim, uma vez que sempre criticaram e enfrentaram a exploração do homem pelo homem e propuseram o fim desta situação, com ideias de sociedades inovadoras, sejam extremamente igualitárias, seja comandadas pelos outrora comandados.
A má notícia é que este fim se dá não pela consecução dos objetivos originais do movimento em utilizar a nova tecnologia em desenvolvimento para o bem comum e em prol da coletividade, mas porque o homem está cada dia mais perto de se tornar obsoleto e desnecessário.
E é neste momento que precisamos pensar o que será de nós.
Se as massas permaneceram existindo nos últimos 200 anos foi, não porque as elites são misericordiosas e humanistas, mas porque o operário era necessário para aumentar o lucro do industrial.
Hoje, com o advento da Inteligência Artificial, o desenvolvimento de androides e drones, a necessidade do fator humano é a cada dia diminuída.
Se os pobres, operários e camponeses não são mais necessários, por que devem continuar existindo?
Este é o ponto de partida para o debate acerca do futuro da humanidade em um mundo cada vez mais tecnológico, no qual as funções sociais e operacionais necessitam cada vez menos do ser humano para acontecer.
O primeiro fator a analisar é que, apesar da democratização do acesso mínimo aos avanços tecnológicos, a desigualdade social propicia uma diferença exorbitante na quantidade e qualidade da tecnologia às quais as diferentes classes sociais acessam.
E esta é a base do que vamos apreciar na continuação deste texto, na próxima semana.
Como a tecnologia pode nos levar a uma segregação ainda mais extrema a ponto de separar a raça humana em duas ou mais sub raças. Como as mitologias e religiões podem nos ajudar a compreender o momento pelo qual passamos?